
Capaz de gerar pelo menos 328 mil empregos no Brasil, o mercado da cannabis ainda aguarda regulamentação, estima a Kaya Mind, braço da companhia Kaya responsÔvel pela produção de dados sólidos sobre a planta.
Apesar da dificuldade para quantificar a contribuição do mercado de cannabis para o setor de trabalho no paĆs, a importĆ¢ncia da planta pode ser mais uma vez confirmada em visita Ć segunda edição da ExpoCannabis, que ocupa atĆ© este domingo (17) um dos pavilhƵes do SĆ£o Paulo Expo, no distrito de Jabaquara, capital paulista.
Na entrada, após vencer uma longa fila, o visitante jĆ” percebe como Ć© difĆcil escolher um ponto do salĆ£o para fixar o olhar. Em um arranjo um tanto simbólico, jĆ” que talvez esta seja a forma de convencer os mais resistentes a enxergar a planta alĆ©m da atmosfera do divertimento, os primeiros stands sĆ£o da cannabis medicinal.
Em Florianópolis, Pedro Sabaciauskis, que via a avó Edna piorar gradualmente com a doença de Parkinson, constatou a eficÔcia do óleo de cannabis na atenuação dos sintomas da doença neurodegenerativa, a segunda mais comum desse tipo em todo o mundo. Na época, foi somente a primeira vitória, pois era necessÔrio importar o medicamento, que levava cerca de três meses para chegar, o que o levou a encomendar dez frascos de uma vez. Cada um custava R$ 1,8 mil e durava um mês.
E bastou uma dose para que o corpo de Edna deixasse de apresentar a rigidez própria do quadro que desenvolveu. Em 20 minutos, seu semblante mudou, assumindo a aparĆŖncia de relaxamento perdida havia muito tempo por causa da doenƧa. “A gente descobriu uma associação em Fortaleza, chamada Abracam [Associação Brasileira de Cannabis Medicinal], que vi pelas redes sociais. Entrei em contato e me mandaram um óleo. Fui a um mĆ©dico aqui de SĆ£o Paulo, ele me orientou, e a gente deu para a minha avó. AĆ foi uma surpresa, porque a melhora veio no mesmo dia.”
“A gente jĆ” levou um susto aĆ, mas, depois de 15 dias, ela recuperou os movimentos de sentar, levantar sozinha, de ir atĆ© a cozinha, pegar um copo d’Ć”gua, coisa que era inimaginĆ”vel. E, em um mĆŖs, ela queria fazer a unha, voltou a viver”, lembrou Sabaciauskis, acrescentando que a avó voltou a ter condiƧƵes de conviver com a famĆlia, em almoƧos e outras ocasiƵes.
A experiĆŖncia deu origem Ć Associação Santa Cannabis, acolhe pessoas que procuram informaƧƵes sobre os tratamentos com o óleo da cannabis ou que precisam do medicamento, incluindo os que tĆŖm baixa renda ou estiverem em contextos de vulnerabilidade social. “A preferĆŖncia desse mercado tem que ser da classe social mais baixa, que foi sempre quem foi preso pela mesma matĆ©ria.” Para Sabaciauskis, as associaƧƵes tĆŖm um papel muito maior do que somente fornecer remĆ©dio, que Ć© o de defender o interesse nacional. “SĆ£o as associaƧƵes que tĆŖm aberto caminho para tornar possĆvel a compra de estufas e outros elementos imprescindĆveis.”
Outro eixo da associação catarinense é a pesquisa. A Santa Cannabis aproveita as autorizações que obteve para liberar estudos e, com essa estratégia, atualmente viabiliza 15 pesquisas, muitas das quais, sem tal respaldo, teriam que recorrer à Justiça para existir. Segundo Sabaciauskis, a associação da qual estÔ à frente jÔ tratou 6 mil pessoas, com 200 CIDs (Classificação Internacional de Doenças) diferentes.
Pedro Sabaciauskis enfatizou que abraƧar essa causa requer coragem e, ao mesmo tempo, firmeza. “Ć um ato de coragem, mas tambĆ©m de disposição. Porque defender cannabis no Brasil, seja medicinal ou outra, Ć© ato de coragem, pois tem muito preconceito, estigma. Se vocĆŖ depende de seu emprego, de sua famĆlia, nĆ£o pode fazer, senĆ£o sofre pressĆ£o desses lugares. A associação, nĆ£o, porque conseguiu juntar um time de pessoas dispostas a enfrentar isso e o fez baseada na Constituição Federal, pelo direito Ć saĆŗde, que Ć© universal, o direito de se reunir em associaƧƵes para mudar leis com as quais nĆ£o se concorda e o direito de fazer desobediĆŖncia civil pacĆfica e controlada.”
A fórmula de Sabaciauskis ainda teve mais um componente essencial para a rede da associação crescer. “A gente percebeu que tinha muito mais medo do que deveria ter. Quando se comeƧa a cuidar das pessoas, as pessoas vĆŖm para a luta junto e encorajam a continuar. Como tinha muita gente a ser cuidada, doente, a gente comeƧou a fazer o papel que era do governo.” Ele ressaltou que a Santa Cannabis gera empregos por causa da distribuição dos medicamentos, do atendimento aos pacientes, que abrange serviƧo social, do cultivo da planta e dos processos farmacĆŖuticos envolvidos, que garantem qualidade.
Tecnologia
Outro segmento do mundo canÔbico que absorve profissionais é o da tecnologia da informação (TI). A Complysoft é uma startup (empresa emergente com modelo de negócio em desenvolvimento ou aprimoramento) especializada em ferramentas úteis para o mercado da cannabis medicinal.
Com sede em JoĆ£o Pessoa, a companhia oferece sistemas como o Comply Legacy, de gerenciamento de documentos e prescriƧƵes, unificando os registros de todas as fases do processo de produção e obtenção da cannabis. Por meio dele, Ć© possĆvel, por exemplo, armazenar e consultar testes laboratoriais para controle de qualidade. Outra opção sĆ£o os sistemas que unificam os instrumentos ligados aos pacientes, como WhatsApp e e-mail.
Entre os clientes, estĆ£o associaƧƵes canĆ”bicas, clĆnicas especializadas, importadoras e farmĆ”cias de manipulação. O profissional Mizael MendonƧa Cabral conta que ele e seu parceiro de trabalho AndrĆ© Vasconcelos integravam o setor de TI da Associação Brasileira de Apoio Cannabis EsperanƧa (Abrace EsperanƧa). LĆ”, Cabral entendeu que poderia usar seu conhecimento para ajudar outras associaƧƵes a aprimorar os atendimentos.
Um dos expositores do evento, ele disse que o ramo nĆ£o Ć© incipiente, jĆ” Ć© um mercado de trabalho em expansĆ£o em paĆses como o Uruguai, o primeiro a legalizar a maconha, e o Paraguai. “Receber o convite para participar da associação foi um chamado para mim. Sempre digo que Ć© uma missĆ£o espiritual. A gente estĆ” devolvendo a planta Ć nossa nação, porque Ć© uma planta de cura. Entrei em 2014, para ajudar essa associação, e entendo que Ć© uma missĆ£o de vida”, confidencia o paraibano.
A história de Vasconcelos foi diferente. Ele morava na Califórnia quando recebeu a senha para ingressar no universo canĆ”bico. Antes de se tornar gerente de projetos na Complysoft, prestava assistĆŖncia na Ć”rea de TI. Quanto ao grau de dificuldade para recrutar profissionais da Ć”rea, Vasconcelos disse que ainda hĆ” percalƧos, geralmente relacionados ao tabu e ao preconceito em relação Ć planta, gerados por desconhecimento fe suas propriedades e mĆŗltiplos usos. “Mas vejo isso como um obstĆ”culo que nĆ£o estĆ” longe de a gente vencer”, resumiu.
Central de empregos
Na sexta-feira, um dos stands mais badalados da ExpoCannabis foi o da Cannabis Empregos, pioneira no Brasil. O portal anuncia vagas de estĆ”gio, de trabalho temporĆ”rio, para freelancers (autĆ“nomos), remotos, voluntariado e em regime presencial, de home office (trabalho a distĆ¢ncia, em casa) e hĆbrido.
A empresa tambĆ©m oferece capacitação e mentoria para candidatos e empregadores, qualificando pessoas que desejam aprender sobre lideranƧa no mercado canĆ”bico e a fazer networking (rede de contatos profissionais). Um dos aspectos importantes em qualquer segmento e que tambĆ©m Ć© cobrado dos profissionais que atuam com a cannabis Ć© o domĆnio de tendĆŖncias e polĆticas pĆŗblicas. A companhia, por isso, auxilia no desenho de planos de carreira.
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